quinta-feira, 19 de novembro de 2009

IMUNOLOGIA - SORO ANTI-VENENO


INTRODUÇÃO


No final do século XIX, a descoberta dos agentes causadores de doenças infecciosas representou um passo fundamental no avanço da medicina experimental. Um dos principais aspectos desse avanço foi o desenvolvimento da soroterapia, que consiste na aplicação no paciente de um soro contendo um concentrado de anticorpos. A soroterapia tem a finalidade de combater uma doença específica (no caso de moléstias infecciosas), ou um agente tóxico específico (venenos ou toxinas).

Dr. Vital Brazil Mineiro da Campanha, médico sanitarista, residindo em Botucatu, passou a realizar experimentos com os venenos ofídicos baseandoo-se nos primeiros trabalhos com soroterapia realizados pelo francês Albert Calmette. Descobriu que cada tipo de veneno ofídico requer um soro específico, preparado com o veneno do mesmo gênero de serpente que causou o acidente.

Em 1901 foi fundado o Instituto Serumtheráphico de Butantan - nome original do Instituto Butantan. Dr. Vital Brazil deu prosseguimento à preparação de soros antiofídicos nesse Instituto, para atender ao grande número de acidentes com serpentes peçonhentas.

São notificados, anualmente, mais de 20.000 acidentes por serpentes peçonhentas no Brasil.

88,3% - Bothrops (Jararacas);

8,3% - Crotalus (Cascavel);

2,7% - Lachesis (Surucucu);

0,7% - Micrurus (Coral Verdadeira).


VACINA X SORO

Soros já conterem os anticorpos necessários para combater uma determinada doença ou intoxicação. Vacinas contêm agentes infecciosos incapazes de provocar a doença (a vacina é inócua), mas que induzem o sistema imunológico da pessoa a produzir anticorpos, evitando a contração da doença. Portanto, o soro é curativo, enquanto a vacina é, essencialmente, preventiva.


FABRIÇÃO DO SORO

Após a extração, a peçonha é submetida a um processo chamado liofilizacão, que desidrata e cristaliza o veneno. A produção do soro obedece às seguintes etapas:

  1. O veneno liofilizado (antígeno) é diluído e injetado no cavalo, em doses adequadas. Esse processo leva 40 dias e é chamado de Hiperimunização.
  2. Após a hiperimunizacão, é realizada uma sangria exploratória, retirando uma amostra de sangue para medir o teor de anticorpos produzidos em resposta as injeções do antígeno.
  3. Quando o teor de anticorpos atinge o nível desejado, é realizada a sangria final, retirando-se cerca de quinze litros de sangue de um cavalo de 500 Kg em três etapas, com um intervalo de 48 horas.
  4. No plasma (parte líquida do sangue) são encontrados os anticorpos. O soro é obtido a partir da purificação e concentração desse plasma.
  5. As hemácias (que formam a parte vermelha do sangue) são devolvidas ao animal, através de uma técnica desenvolvida no Instituto Butantan, chamada plasmaferese. Essa técnica de reposição reduz os efeitos colaterais provocados pela sangria.



No final do processo, o soro obtido é submetido a testes de controle de qualidade:

  1. Atividade biológica: para verificação da quantidade de anticorpos produzidos.
  2. Esterilidade: para a detecção de eventuais contaminações durante a produção.
  3. Inocuidade: teste de segurança para o uso humano.
  4. Pirogênio: para detectar a presença dessa substância, que provoca alterações de temperatura nos pacientes.

A hiperimunização para a obtenção do soro é realizada em cavalos desde o começo do século porque, são animais de grande porte. Assim, produzem uma volumosa quantidade de plasma com anticorpos para o processamento industrial de soro para atender à demanda nacional, sem que os animais sejam prejudicados no processo.


TIPOS DE SORO

  • Antibotrópico: para acidentes com jararaca, jararacuçu, urutu, caiçaca, cotiara.
  • Anticrotálico: para acidentes com cascavel.
  • Antilaquético: para acidentes com surucucu.
  • Antielapídico: para acidentes com coral.
  • Antibotrópico-laquético: para acidentes com jararaca, jararacuçu, urutu, caiçaca, cotiara ou surucucu.

EXPERIMENTOS

As doses recomendadas foram, inicialmente, baseadas na estimativa da quantidade de veneno que a serpente poderia inocular e na capacidade neutralizante do soro mensurada por soroneutralização in vitro e posterior inoculação em animais de experimentação.
A quantidade de veneno que as serpentes inoculam durante o bote defensivo era estimada pelo quanto se pode extrair de exemplares da mesma espécie. Um erro. O fato da quantidade de veneno que pode ser extraída pelo homem nem sempre é necessariamente a mesma que a serpente consegue inocular. Após a estimativa da quantidade de veneno que pode ser inoculada, bastaria saber, para o tratamento do paciente, o volume de soro necessário para neutralizá-la. Se a maior quantidade de veneno que se podia extrair, por exemplo, de Bothrops jararaca era cerca de 160mg, acreditava-se que um volume de soro suficiente para neutralizá-la seria suficiente para o tratamento de, virtualmente, todos os envenenamentos por essa serpente. Nesse ponto, entretanto, o erro pode ser ainda maior.

A capacidade neutralizante do soro não representa um valor absoluto. Não se pode dizer, portanto, que um paciente que foi inoculado com 160mg de veneno de B. jararaca, necessariamente, terá tratamento adequado com soro na dose correspondente àquela que foi inoculada, neutralizando tal quantidade de veneno.



DOSAGEM

Deve-se considerar a gravidade do envenenamento e, portanto, a dose necessária para o tratamento dependem de variáveis como: gênero, espécie e porte da serpente que causou o acidente, região anatômica picada, via de inoculação do veneno e do antiveneno, tempo transcorrido entre o acidente e a soroterapia. Na prática clínica, a orientação tem sido no sentido de se administrar o soro por via endovenosa, com a dose calculada por número de ampolas, de acordo com a gravidade do envenenamento independente do peso do paciente.

Dificuldades na produção dos soros antiofídicos e a utilização de doses cada vez maiores e que, eventualmente, poderiam ser excessivas estimularam a realização de estudos para avaliar as doses mais adequadas para o tratamento.

Em estudos recentes, o Butantan Institute Antivenom Study Group (BIASG) avaliou pacientes picados por serpentes do gênero Bothrops, nos quais administrou as doses de soro antibotrópico atualmente recomendadas pelos órgãos oficiais de saúde (4 ou 8 ampolas, respectivamente, para casos de envenenamento leve ou moderado). Observou-se que, após o tratamento, a maioria apresentou uma rápida melhora clínica e poucos desenvolveram novos sinais compatíveis com envenenamento. Através de imunoensaio enzimático (ELISA) foi possível observar que o veneno foi depurado do plasma de todos os pacientes dentro de 4 dias e o antiveneno permaneceu em concentrações relativamente altas nos três primeiros dias, decrescendo gradualmente nos 30 dias seguintes.



RESULTADOS

Concluiu-se que, provavelmente, ambos os grupos de pacientes receberam doses de antiveneno excessivas para neutralizar o veneno. Nos pacientes que receberam oito ampolas de antiveneno, entretanto, a queda dos níveis de antígenos foi mais rápida. Esses dados sugerem que as doses utilizadas para o tratamento de envenenamento recomendadas pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e pelo Ministério da Saúde, são desnecessariamente altas.

Apesar dos resultados acima, não pode-se descartar que, em casos excepcionalmente graves em que o paciente corre risco de vida por apresentar choque, sangramento grave, etc., haveria benefício na administração de grandes quantidades de moléculas de anticorpos e relação à quantidade de antígeno inoculada.

Envenenamentos graves não foram avaliados e permanecem as recomendações de doses altas (12 ou mais ampolas), conforme orientações oficiais. Esses casos, entretanto, são menos freqüentes.



CONCLUSÃO


Pode-se dizer que a tendência atual deve ser a utilização de doses menores de soro, pelo menos quando se trata de envenenamentos leves e moderados, principalmente em locais de alta prevalência de B. jararaca. Os antivenenos mostraram-se mais eficiêntes quanto administrados em um curto período de tempo após o envenenamento e com a dosagem recomendada conforme a gravidade do acidente.



BIBLIOGRAFIA


Livro Instututo Butantan: Série Didática, Soros e Vacinas.


Artigo: Dose de soro (antiveneno) no tratamento do envenenamento por serpentes peçonhentas do gênero Bothrops, por M.T. JORGE e L.A. RIBEIRO. Departamento de Clínica Médica, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG.


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